quarta-feira, 25 de novembro de 2009

João do Rio, um flaneur de alma encantadora

Para os que gostaram do pouquinho que falei sobre João do Rio, vale a pena ler algumas de suas melhores crônica, disponíveis na xerox do CA. Já que você está online, mais simples ainda é acessa o site do domínio público, onde você encontra A Alma Encantadora das Ruas, A Bela Madame Vargas, As Religiões no Rio, Dentro da noite e Momento literário.

Nascia em 1881 na Rua Buenos Aires, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, que ficou conhecido por seu mais constante pseudônimo, “João do Rio”. Flanar era seu estilo de vida e por meio dele fez da crônica jornalística um retrato das mudanças do Brasil Republicano. Jornalista, cronista, repórter, romancista, dramaturgo e contista, abordava o cotidiano urbano carioca face à modernização.

O Rio da Belle-Époque
O período foi marcado pela modernização acelerada do Rio de Janeiro, então capital. O prefeito Pereira Passos estave à frente da reforma urbana, demolindo morros, cortiços e reorganizando o espaço urbano da cidade, afim de tornar da cidade uma Paris dos trópicos. Veja abaixo alguns registros fotográficos da época feitos por Marc Ferrez.



Muitos cronistas discutiram tal momento de transição, com importantes reflexões sobre a tradição e a modernidade. Lima Barreto, por exemplo, criticou arduamente as desapropriações e a imposição da estética europeia no Brasil. Já Olavo Bilac defendia o plano civilizatório republicano como solução para o atraso do passado colonial. Diferente deles, João do Rio não assumiu posições ideológicas a respeito das reformas de Pereira Passos, mas concentrou-se em relatar as mudanças do espaço urbano de forma inovadora, se misturando à multidão, frequentando terreiros, rodas de samba, favelas, subúrbios.

Por trás do pseudônimo
O homem por trás do popular pseudônimo João do Rio era vítima de árduos preconceitos: bastante gordo, mulato, homossexual e vestido à moda do dandi parisien. Diz-se que chegou a sofrer agressões físicas de intolerantes. Também entre os intelectuais não tinha grande empatia, entre seus desafetos públicos estavam Machado de Assis, Monteiro Lobato e Humberto de Campos – por causa desse último chegou a se afastar da Academia Brasileira de Letras.

Flâner et observer
Isento de discursos políticos e apropriando-se da postura de observador, João do Rio revolucionou o conceito de jornalismo até então feito no Brasil. Pioneiro na reportagem de campo, levou para suas crônicas o que observava na rua. Ultrapassou a esfera puramente opinativa do jornal e desenvolveu quase que um estudo antropológico e sociológico da cidade.

De acordo com Brito Broca, já existiam cronistas fantásticos na cidade, capazes de formular as considerações mais inteligentes e irônicas sobre um crime passional. Contudo, nenhum deles pensaria em ir à cadeia entrevistar um criminoso. João do Rio deixou de escrever entre quatro paredes e foi para as ruas, ver de perto sobre o que e sobre quem escrevia.

O que é visto no jornalismo contemporâneo como natural, apuração de pautas na rua e entrevistas, é um legado da postura investigativa de João do Rio. Para ele, a imprensa deveria ser um discurso da sociedade sobre si mesma, uma parte constituinte da dinâmica urbana, criando identificação com os leitores.

Em 1904, começou a pesquisar e escrever sobre as diferentes modalidades religiosas praticadas na capital. Seus textos tiveram grande repercussão, sendo lançados como a coletânea “As religiões do Rio”. O sucesso levou à marca de mais de oito mil exemplares vendidos – número extraordinário para a época. Brito Broca aponta que, como Jean Lorrain, o cronista carioca teria gosto pelo noturno da rua e pelo frisson de escandalizar pelo exótico. Em 1909, publicou as crônicas-reportagens “A alma encantadora das ruas”. Hoje, o texto é o mais reconhecido do autor, que em seu prefácio divaga sobre seu gosto por flanar nas ruas da cidade.

“Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da população [...]. É vagabundagem/ Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico.”

Além de levar a redação para as ruas, outra importante contribuição do jornalista foi a popularização das entrevistas na imprensa. O gênero era quase desconhecido no País. Por mais que em suas crônicas, os diálogos fossem curtos e simples, esse já era um passo significativo para a implementação da prática.

Inovou também inspirado no inquérito sobre a situação do naturalismo na França produzido por Juler Huret para o “L’Écho de Paris”, em 1891. João fez uma versão brasileira da iniciativa intitulada “Momento Literário”, traçando um painel expressivo sobre a literatura nacional ao entrar em contato com os principais intelectuais do País. Foi também membro da Academia Brasileira de Letras, dramaturgo e tradutor de obras do irlandês Oscar Wilde.

Um pouquinho de leitura
Para os que ainda se começou ou não a ler João do Rio, segue um breve resumo sobre alguns de seus temas dos livros que mais gostei.

Alma Encantadora das ruas: Crônicas-reportagens publicados na imprensa carioca entre 1904 e 1907 são as mais lidas do autor nos dias de hoje. Entrs os temas, pintores de rua, casas de ópio, cordões de carnaval, meninas pobres mariposas de vitrines, mulheres mendigas, trabalhadores de um depósito de carvão e sobre pequenos ofícios como apanhadores de gato para restaurantes, catadores de selos usados e sapatos velhos.

Cinematographo: crônicas inspiradas na linguagem do cinema, muito descritivas. Entre os temas, alienação da elite, as crianças que matam, a decadência dos chopes, a aceleração da vida no meio urbano, entre outros.

Fica a lição de João do Rio de como ser carioca e a reflexão de Joaquim Ferreira dos Santos em sua coluna no jornal O Globo. (clique na imagem para ve-la em maior formato)

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